Foi Fernando Lopes-Graça quem afirmou que a obra de arte é o produto de uma equação entre o artista e o seu meio.
Ora o período de juventude do compositor consumou-se em Tomar, através de uma formação profundamente humanista, numa convivência entre mocidade e adultos, no seio de uma prática social marxista onde o nível etário não se mensurava pela idade civil mas antes pelo conflito e pela luta de ideias, isto é, onde jovens eram considerados apenas aqueles que partilhavam uma cultura de ideias jovens, conceito interior e não diacrónico para pensamentos inovadores que ajudassem a compreender e a construir o futuro.
Foi Romain Rolland um dos autores incontornáveis e inspirador desta prática sócio-política, através de uma obra já então conhecida e citada por Lopes-Graça no seu jornal A Acção.
Romain Rolland propõe uma nova atitude cultural que problematiza o homem quer enquanto indivíduo quer enquanto membro da sociedade, visão que viria a ser assumida e aprofundada, entre nós, por Bento de Jesus Caraça (in A cultura Integral do Indivíduo, 1933) e que influenciaria, não só o percurso ideológico como estético do compositor Lopes-Graça.
As primeiras intervenções cívicas e artísticas de Lopes-Graça em Tomar são testemunho desta identificação ideológica neste registo de companheirismo: A Sociedade Promotora de Concertos, organização vocacionada para a divulgação da música erudita entre os tomarenses (“Criar e desenvolver o gosto pela Divina Arte”) e no seio da qual o compositor estreou a sua primeira obra de catálogo (Variações para piano sobre um tema popular português), ou mesmo o próprio Jornal A Acção (de que Lopes-Graça foi co-fundador e 1º Director), são exemplos de actividades onde deparamos com o jovem Lopes da Graça numa militância cultural solidária em grupos constituídos por velhos republicanos, reputados e prósperos comerciantes da cidade, lado a lado com jovens estudantes e jovens trabalhadores da sua geração.
A Casa Memória Lopes-Graça pretende contribuir para o conhecimento do meio sócio-musical onde a criatividade do compositor tomarense começou por brotar, não só enquanto produto do seu engenho, mas também da sociedade de que era membro.
Para isso, começamos pela abordagem dos anos vinte tomarenses enquanto seu período de juventude.
Foi uma época de mudança - da monarquia para a República, do socialismo utópico para o socialismo real, do romantismo para o expressionismo, da cultura religiosa para a cultura laica, do futurismo para o neo-realismo, da divina arte para a música autónoma.
Foi também uma época de mudança no percurso de vida do compositor - da adolescência para a idade adulta, de Tomar para Lisboa, das fitas mudas do Salão Paraíso para as fitas mudas do Palácio Foz.
Foi o tempo tomarense da Serenata e da Tuna, da Banda Regimental e da Orquestra Sinfónica, das Operetas e dos Saraus de beneficência, da Sociedade Promotora de Concertos e da música no cinema mudo, dos concertos (Quintas e Domingos) da Banda Regimental no coreto e dos serões musicais em casa dos Mota Lima, do Salão Paraíso e do Teatro Nabantino e, claro, do Orfeão Tomarense, da Gualdim Pais e da Nabantina.
A tudo isto temos de juntar os sons da natureza e o chiar das rodas do Nabão para toparmos com uma comunidade viva e cheia de música, envolvente e transversal na formação do futuro compositor português.
Com A Divina Arte em tempo de Mudança, pretende-se evocar o compositor tomarense no Mês do seu nascimento, através de uma primeira mostra de sinais e vestígios que contribuam, mesmo que de forma muito restrita para o saber, não só da vida musical tomarense de então como, simultaneamente, dos andares do futuro compositor Fernando Lopes-Graça, o filho do Sr. Silvério, enquanto membro activo de tal comunidade.
António de Sousa
sábado, 7 de novembro de 2009
Exposição Lopes Graça - Anos 20 - A Divina Arte em tempo de mudança
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