quinta-feira, 26 de novembro de 2009

In memoriam de Augusto e Aquiles Mota-Lima

Inserida na programação da “Evocação de Lopes-Graça em Dezembro de 2009” tem lugar, no auditório Lopes-Graça (Canto-Firme), no Sábado 5 de Dezembro, pelas 17h00, a audição comentada da Sonatina nº 1 e do Pequeno Tríptico, duas obras para violino e piano de Lopes-Graça. A execução das duas obras estará a cargo do Duo Dópio, ficando a incumbência da sua apresentação e análise para António de Sousa.
Esta sessão é direccionada para alunos de música da Cidade e aberta ao público em geral. As obras referidas serão apresentadas à noite (21H30), no Auditório Cartaxo da Fonseca, no programa de concerto do duo Dópio, inserido na programação do Ciclo de Música Cantar Natal.
Esta duas obras de Lopes-Graça têm na sombra a memória de Augusto Mota-Lima, um dos três irmãos com importância determinante na formação para a música do compositor tomarense ao introduzi-lo, desde muito novo, nos seus serões musicais.

A Sonatina nº1, composta em 1931, é a 10ª obra (opus 10) do catálogo de Fernando Lopes-Graça. È uma obra da modernidade musical da época, numa linguagem expressionista baseada num cromatismo livre, com um elevado grau de dificuldade, tanto para o violino como para o piano.
A obra foi revista em 1951 e tem expressa uma dedicatória a Augusto da Mota-Lima.
Essa dedicatória é justificada por, durante muitos anos, Lopes-Graça ter sido o acompanhador preferido de Augusto Mota-Lima, com quem actuou, frequentemente, durante toda a década de vinte nos mais variados concertos e audições de beneficência realizados em Tomar. O nome de Augusto Mota-Lima na partitura é sinal que o compositor quis assim perpetuar tal recordação e colaboração.

Tudo indica que, Augusto da Mota-Lima nunca terá tocado em público a Sonatina que lhe foi dedicada.

O Pequeno Tríptico tem a data de 1961, ano em que Lopes-Graça adoece chegando a estar internado e, em comum com a Sonatina, tem de novo a sombra de Augusto Mota – Lima.
De facto, em 1960, nas duplas comemorações – Henriquinas e da Fundação de Tomar, Aquiles da Mota-Lima foi um dos responsáveis pela parte cultural das mesmas, tendo querido organizar um concerto só com música de Lopes-Graça.
Sobre a não realização desse concerto já dissemos o que nos aprouve sobre o assunto no post anterior.
A 10 de Março desse ano e dentro da correspondência trocada com vista à realização de tal concerto, Aquiles insinua por carta ao compositor que, para tal concerto se você tivesse uma peça para o meu irmão Augusto tocar, que não fosse muito transcendente...
A insinuação do amigo foi ordem para o compositor, como se pode concluir da leitura de uma outra carta arquivada no mesmo processo em que, com a data de 28 de Março, Augusto Mota-Lima acusa a recepção de uma música de Lopes-Graça dizendo que a vou trabalhar como melhor interesse para ver se consigo que o compositor não se arrependa de ma ter confiado. Augusto da Mota-Lima estava então já um pouco doente, não podendo dar muitas horas de atenção ao violino e, só assim se explica o pedido de Aquiles de uma obra “não muito transcendente” para o irmão, assim como os receios do mesmo ao afirmar “a ver se consigo”...
A 24 de Abril, depois de se saber que já não haveria concerto, Augusto Mota Lima escreve a Lopes-Graça agradecendo a impressionante gentileza de ter escrito o seu tríptico com prejuízo dos seus afazeres e até das exigências do seu talento para que eu pudesse colaborar no concerto.
Por aqui ficamos a saber que o Pequeno Tríptico para Violino e Piano terá sido a obra não muito trascendente solicitada por Aquiles para seu irmão para o tal concerto que, acabou por também não ser executada por Augusto no violino e Fernando no Piano.
Não deixa de ser interessante que, passado meio século, num Auditório com o nome do compositor tomarense se ouçam as duas obras em causa, bem representativas do catálago do compositor, numa evocação não só do compositor do Requiem pelas Vítmias do Fascismo em Portugal como do seu tutelar amigo, Augusto da Mota-Lima, saudoso e importante violinista tomarense.
Trata-se de mais uma pequena estória de vida em torno de Fernando Lopes-Graça, o mais representativo compositor português do século XX onde, mais uma vez, o o local e o universal se tocam e confundem.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

A propósito do Concerto comentado - Auditório Lopes-Graça -5 /12 - 17 horas




Na Evocação de Lopes-Graça em Dezembro de 2009, inserida na programação da Casa Memória Lopes-Graça, está incluída uma audição comentada (5 de Dezembro, 17 horas, Auditório Lopes-Graça) com duas obras, para violino e piano, de Lopes-Graça, a saber: A Sonatina nº 1 e o Pequeno Tríptico.

Curiosamente, são duas obras com fortes ligações a Tomar.

Acontece que, faz agora precisamente 50 anos, Tomar foi palco das duplas comemorações – as do Infante D. Henrique e as da fundação de Tomar.
Estas comemorações tiveram então enorme repercussão a nível nacional, com a presença do presidente da Republica, vários Ministros e uma programação que se espalhou ao longo do ano e onde se incluiu uma Festa dos Tabuleiros.
Em plena ditadura, às portas da guerra colonial, a escolha do cidadão para Director da Comissão responsável pela organização de tais Comemorações, recaiu em António Antunes da Silva, ex -candidato do Movimento de Unidade Democrática por Santarém e velho amigo de Fernando Lopes-Graça.
Por outro lado, o jornal O Templário de então, sob a direcção de outro amigo do compositor - Fernando Araújo Ferreira, na sua secção “Anotando” deixava registado: À Comissão das comemorações henriquinas lembramos a colaboração de um grande artista tomarense – um filho de Tomar, na sua terra, a dizer do Infante através da sua arte. Trata-se de Fernando Lopes Graça.

Pareciam estar reunidas as condições para a presença de Lopes-Graça e da sua música na sua terra natal. È assim que se inicia uma correspondência com Aquiles da Mota Lima, membro da dita Comissão e um dos irmãos Mota-Lima responsáveis pela introdução de Lopes-Graça na prática da música de câmara para, em conjunto com o compositor tomarense, organizar um concerto a realizar, no Cine-Teatro, só com obras de Lopes-Graça.
Para esse concerto acerta-se a colaboração do violinista Augusto da Mota-Lima, para tocar algo que não fosse muito transcendente, uma vez que já não se encontrava muito bem de saúde.
Pela correspondência trocada ficamos a saber que a escolha recaiu no Pequeno Tríptico, o qual seria executado por Augusto Mota – Lima ao violino e Lopes-Graça ao piano.

Teria sido, com toda a certeza um concerto de alta qualidade e recheado de afectividade.
Tal acabou por não acontecer porque, em Abril, é comunicado a Lopes-Graça que o concerto teria que ser adiado para a semana seguinte uma vez que na data acordada se tinha de realizar, naquela sala, um outro concerto, com o Orfeão do Colégio Nuno Álvares.

Esta desfeita tomarense ao seu conterrâneo compositor mereceu do mesmo uma resposta amarga, dirigida a Aquiles, que aqui se deixa:

Vai esta sem as Excias protocolares para manter o caracter íntimo e, apesar de tudo, amigável, ao ter de lhe comunicar o quanto lamento (e o lamento não vai sem certa surpresa...) não se ter compreendido aí o que lhe expus na minha anterior carta, quanto à impossibilidade de transferir a data do concerto em Tomar. Esta data (1 de Maio) estava há já meses marcada por si próprio e eu não posso deixar de achar muito estranho que os grupos a que se refere não possam alterar, para não dizer não possam cumprir o seu calendário de actuações e se entenda por bem impor essa alteração a pessoas que, como profissionais de música que são, têm também os seus compromissos e estes também muito mais sérios, por sua natureza própria inflexíveis, do que os compromissos dos grupos amadores...É sempre a mesma história em Portugal... O amador é que é o artista respeitado, a quem tudo se pode consentir, o profissional não passa de um “chato”, que se subordine se quiser, senão quiser, adeus que se passa muito bem sem ele ...Que tristeza!!! Pois meu caro Aquiles de Lima, terão de facto de passar sem nós, isto é, sem o concerto, o que porventura irá ao encontro de desejos escondidos aí entre os salgueirais do Nabão. Tenho pena. E , estou certo que você, pessoalmente, também, apenas se vendo logrado na sua boa vontade. Mas assim talvez seja melhor: não “chatearemos” ninguém. A minha terra, à qual sinceramente acedi em dar um prova de referência ( e perdoe-me a imodéstia de dizer que não preciso dos possíveis louros que nela iria colher), a minha terra continua, ao que parece, o que dantes era... Não quero deixar de agradecer a generosidade da proposta para o concerto, na alternativa, se realizar em Novembro, em “fim de festa”. Será melhor, desde já não contarem com tal, porque nem eu nem os meus colaboradores podemos assegurar nada para essa altura, nem correr os riscos de outro possível adiamento, que de modo nenhum convém a gente que tem a sua vida profissional organizada. Queira aceitar, meu caro Aquiles, com as minhas amigas saudações, os meus agradecimentos pela boa-vontade manifestada por si na realização de um empreendimento, por ventura de antemão condenado ao fracasso. Seu

Curiosamente, é a Sonatina nº 1 para violino e piano de Lopes-Graça que tem uma dedicatória a Augusto da Mota –Lima, concluindo-se que o compositor a considerava uma obra muito mais transcendente que o tríptico.

Ora no dia 5 de Dezembro, pelas 17 horas, serão estas duas obras as apresentadas, pelo duo Dópio, evocando Fernando Lopes-Graça e, porque não, os irmãos Mota-Lima e as comemorações henriquinas de 1960.

sábado, 7 de novembro de 2009

Exposição Lopes Graça - Anos 20 - A Divina Arte em tempo de mudança


Foi Fernando Lopes-Graça quem afirmou que a obra de arte é o produto de uma equação entre o artista e o seu meio.
Ora o período de juventude do compositor consumou-se em Tomar, através de uma formação profundamente humanista, numa convivência entre mocidade e adultos, no seio de uma prática social marxista onde o nível etário não se mensurava pela idade civil mas antes pelo conflito e pela luta de ideias, isto é, onde jovens eram considerados apenas aqueles que partilhavam uma cultura de ideias jovens, conceito interior e não diacrónico para pensamentos inovadores que ajudassem a compreender e a construir o futuro.
Foi Romain Rolland um dos autores incontornáveis e inspirador desta prática sócio-política, através de uma obra já então conhecida e citada por Lopes-Graça no seu jornal A Acção.
Romain Rolland propõe uma nova atitude cultural que problematiza o homem quer enquanto indivíduo quer enquanto membro da sociedade, visão que viria a ser assumida e aprofundada, entre nós, por Bento de Jesus Caraça (in A cultura Integral do Indivíduo, 1933) e que influenciaria, não só o percurso ideológico como estético do compositor Lopes-Graça.
As primeiras intervenções cívicas e artísticas de Lopes-Graça em Tomar são testemunho desta identificação ideológica neste registo de companheirismo: A Sociedade Promotora de Concertos, organização vocacionada para a divulgação da música erudita entre os tomarenses (“Criar e desenvolver o gosto pela Divina Arte”) e no seio da qual o compositor estreou a sua primeira obra de catálogo (Variações para piano sobre um tema popular português), ou mesmo o próprio Jornal A Acção (de que Lopes-Graça foi co-fundador e 1º Director), são exemplos de actividades onde deparamos com o jovem Lopes da Graça numa militância cultural solidária em grupos constituídos por velhos republicanos, reputados e prósperos comerciantes da cidade, lado a lado com jovens estudantes e jovens trabalhadores da sua geração.

A Casa Memória Lopes-Graça pretende contribuir para o conhecimento do meio sócio-musical onde a criatividade do compositor tomarense começou por brotar, não só enquanto produto do seu engenho, mas também da sociedade de que era membro.
Para isso, começamos pela abordagem dos anos vinte tomarenses enquanto seu período de juventude.
Foi uma época de mudança - da monarquia para a República, do socialismo utópico para o socialismo real, do romantismo para o expressionismo, da cultura religiosa para a cultura laica, do futurismo para o neo-realismo, da divina arte para a música autónoma.
Foi também uma época de mudança no percurso de vida do compositor - da adolescência para a idade adulta, de Tomar para Lisboa, das fitas mudas do Salão Paraíso para as fitas mudas do Palácio Foz.
Foi o tempo tomarense da Serenata e da Tuna, da Banda Regimental e da Orquestra Sinfónica, das Operetas e dos Saraus de beneficência, da Sociedade Promotora de Concertos e da música no cinema mudo, dos concertos (Quintas e Domingos) da Banda Regimental no coreto e dos serões musicais em casa dos Mota Lima, do Salão Paraíso e do Teatro Nabantino e, claro, do Orfeão Tomarense, da Gualdim Pais e da Nabantina.
A tudo isto temos de juntar os sons da natureza e o chiar das rodas do Nabão para toparmos com uma comunidade viva e cheia de música, envolvente e transversal na formação do futuro compositor português.
Com A Divina Arte em tempo de Mudança, pretende-se evocar o compositor tomarense no Mês do seu nascimento, através de uma primeira mostra de sinais e vestígios que contribuam, mesmo que de forma muito restrita para o saber, não só da vida musical tomarense de então como, simultaneamente, dos andares do futuro compositor Fernando Lopes-Graça, o filho do Sr. Silvério, enquanto membro activo de tal comunidade.
António de Sousa